Literatura de Bordel

Isto não é um blog! É apenas um pedaço de nada dedicado a minha loucura. Por isso, fique a vontade e CUIDADO para não pisar nos periquitos.

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Local: Lisboa, Lisboa, Portugal

Publicitário, 35 anos, carioca radicado em Lisboa. Este sou eu, pelo menos por enquanto.

sábado, novembro 20, 2004

Desculpas nem tão sinceras oriundas do fundo de minhas estranhas entranhas.

Olha, se alguém ainda entra aqui, me desculpe de verdade. Fiquei sem postar durante algum tempo, pois minha vida virou de pernas pro ar e eu fiquei ali, observando a calcinha de algodão, rosa com bolinhas brancas da vida, enquanto ela esperneava e tentava novamente se levantar e entrar nos eixos. Agora, parece-me que a vida irá permanecer seguindo seu rumo por mais algum tempo, por isso, se você quiser se divertir com a loucura alheia - ignorando o fato de ser um psicopata hipócrita que disfarça suas insanidades em trejeitos mecânicos e ridículos - leia o conto abaixo. É novo e garanto que escrevi com o coração. Até a próxima atualização.

A carta do verdadeiro amor

Não agüentei ficar ao seu lado e não tentar nada. Sabia que não podia tentar nada. Você nem sabe quem eu sou. O problema é que eu já te conheço há tanto tempo que às vezes chego quase a não resistir.

Cheguei em casa embriagado pra variar. Aliás, estou escrevendo essa merda toda completamente bêbado. Por isso, desculpa a letra e os possíveis erros de português. Nunca fui muito bom em português, bêbado então. Sentei no chão – na minha casa não tem cadeiras, mas isso você ainda não sabe – e comecei a transcrever meus sentimentos. É que sob o efeito do álcool fica mais fácil.

Conheço você há três anos. Você pode não se lembrar, mas dançamos forró em uma festa. Nunca dancei, quiçá forró. Você me desvirginou nessa arte e depois nunca mais dancei com ninguém. Você foi minha primeira e única. Desde então guardava comigo em segredo a vontade de te ter novamente em meus braços. Claro que em uma cidade como Curitiba te vi outras vezes durante esses anos. Claro. Mas você me esqueceu e eu passei a te admirar a distância.

De repente, por uma ironia do destino, fiquei amigo da sua melhor amiga. Não sabia que ela era sua melhor amiga até o dia em que reforçando a ironia do destino contei sobre você. Ela foi a primeira a ouvir a nossa história. Só quando terminei de contar, ela me falou que era sua melhor amiga. Depois, o pessoal que conhece você foi brotando aos montes na minha vida. Não sabia o que fazer. Pela primeira vez em três anos você estava novamente próxima de mim.

Passamos a nos encontrar. Eu era novidade para você, mas você era a mesma de sempre para mim. A cada encontro nosso conversávamos. A cada e-mail que te mandava ficava com medo. Mas, infelizmente, não sabia o que falar. Você se tornou intocável, inconquistável. Uma musa. Sei que isso tudo é louco demais e exatamente por isso nunca falei nada. Se o tivesse feito com certeza teria te assustado e te perderia para sempre. Estou condenado e como tal devo aceitar o meu destino.

Antes de ir quero que fique claro que não culpo você, muito pelo contrário, só tenho a agradecer. Toda minha vida ansiei amar alguém e você me proporcionou isso. Meu único lamento é não ter morrido quando tive você em meus braços, mas nunca é tarde. Adeus e até breve...

A carta não deixava dúvidas, se tratava de um suicídio. Mas o coração, cirurgicamente arrancado, colocado na mão esquerda da vítima, mostrava claramente que existia um novo serial killer na cidade.


quinta-feira, novembro 04, 2004


"O neurótico constrói um castelo no ar. O psicótico mora nele. O psiquiatra cobra o aluguel." - Jerome Lawrence

Estrela

Hipocondríaco assumido, imaginou de tudo. Talvez fosse de origem neurológica, causada por algum comprometimento nos nervos ou talvez fosse vascular, provavelmente um déficit na irrigação sangüínea. Depois imaginou que pudesse ser efeito colateral do Ritonavir, remédio usado no tratamento da AIDS. Então lembrou que não tinha a doença e que sabia desse efeito colateral apenas por um depoimento que havia lido na Internet de um soropositivo em estágio terminal. Talvez estivesse hiperventilando. Esse, definitivamente, era um sintoma de hiperventilação corpórea. Não podia ser, ele estava sentado ali há horas, quando muito movendo o dedo para clicar o mouse. Imaginou o pior: Lúpus – doença inflamatória de causa desconhecida – que entre muitos efeitos causa dor na ponta dos dedos e em casos mais avançados até pontos de gangrena na região irrigada pelos vasos comprometidos. Mas o que ele sentia não era bem uma dor, era mais um formigamento na ponta dos seus dedos do que qualquer outra coisa.

Ele ficou ali, abrindo e fechando a mão direita durante cerca de quinze minutos e nada. O formigamento não passava. Conversou com seu colega da baia ao lado a respeito do problema que lhe afligia mas não obteve muita atenção. Pediu para sair mais cedo e foi direto para uma farmácia. Após um breve exame do farmacêutico, foi instruído de que, aparentemente, não havia nada, e que se o formigamento não passasse até o dia seguinte, que procurasse o médico. Ele não gostou do parecer. E se fosse lúpus? Até o dia seguinte era tempo o suficiente para desenvolver uma gangrena. Ligou para um médico, não tinha horário. Ligou para outro, só dali a uma semana. Tentou mais um e nada. O único médico que podia atende-lo o quanto antes só estaria disponível no dia seguinte.

Chegou em casa preocupado, abriu seu pequeno armário de medicamentos – era daquele tipo que imitava os antigos armarinhos médicos da década de 20 – e procurou algo que pudesse tomar, só por precaução. Tomou dois antiinflamatórios e preparou uma bacia com gelo para mergulhar a mão. Deitou em sua cama e, sob o efeito dos remédios, não demorou muito para cair em um sono profundo.

Acordou cerca de seis horas depois, com a nítida sensação de que sua mão estava tentando lhe puxar. Desmaiou. Acordou novamente duas horas e meia depois. Olhou para sua mão e soltou um grito surdo, seco e desesperador. Em cada dedo de sua mão haviam nascido ratos brancos, desses de laboratório, que se mexiam de forma desconexa, como se tivessem convulsões e tentassem se livrar daquela mão que teimava em prendê-los. Volta e meia eles se mordiam, mas ele não sentia dor. Não sentia mais nada, não eram mais seus dedos, eram ratos vivos presos à sua mão.

Correu na cozinha e amarrou um saco plástico de mercado em volta de sua mão, para evitar ficar vendo aquela cena surreal. Pegou o telefone na sala e ligou para os médicos com quem havia falado ontem. Contou a história umas dez vezes, e em todas foi ignorado ainda pelas secretárias. Resolveu ligar para sua ex-namorada e contou a história. Ouviu um sonoro Você está doente! Você precisa de ajuda. E pronto, o telefone ficou mudo. Ele achou engraçado, apesar de estar desesperado com aquela situação achou muito engraçado a resposta dela. O tempo em que permaneceram juntos ele vivia dizendo isso para ela e, inclusive, essa havia sido a gota d’água para o fim do relacionamento.

Sem saber para quem recorrer e com seu coração tomado pelo medo absoluto, chegou à única solução cabível naquela situação. Foi até a cozinha, pegou um cutelo bem afiado, desenrolou o saco plástico de sua mão e fitou calmamente, como quem tenta achar coragem em um poço sem fundo de desespero, os ratos em sua mão direita. Após alguns segundos, pegou o cutelo e decepou, bem na base, seu dedão. O rato saiu correndo, subiu pela cortina branca deixando um rastro de sangue e sumiu pela janela. Não sentiu dor nenhuma, mesmo o sangue não parando de jorrar não sentiu dor, estava era aliviado. Repetiu o ato mais quatro vezes, e os ratos foram correndo, cada um para o seu canto. Uns foram para o ralo da cozinha, outro saiu por debaixo da porta da sala e um outro resolveu seguir o caminho do primeiro, deixando seu rastro de sangue pela cortina até sumir pela janela. O sangue jorrava de seus cinco cotocos de dedos. Não demorou muito para que ele desmaiasse.

A pedido de sua ex-namorada, a trupe do manicômio não demorou a chegar, mas não a tempo de deixarem de presenciar o verdadeiro massacre que havia ocorrido naquele recinto. Bateram uma vez e nada. A segunda vez e nenhuma resposta. Na terceira tentativa arrombaram a porta e viram ele estirado ali no chão, com um cutelo na mão e envolto em uma poça de sangue que se formava a partir de sua mão direita, que por sinal não tinha nenhum dedo. Os enfermeiros pegaram a maca e o levaram direto para a internação. Desde então, sempre que não está sedado escuta a mesma pergunta: Onde você guardou seus dedos? Ao que ele prontamente responde: Não eram dedos, eram ratos.