O bailar do arrependimento.
Ela tinha ido para o cemitério. Sei lá, talvez tenha achado que era um bom lugar para chorar. Eu estava em casa, com um misto de raiva, frustração e angústia. Um revirar na boca do estômago, um aperto no coração. A pressão devia estar mais alta que o Michael Jordan - eu tenho hipertensão. Isso é hora de pensar nisso?! Tenho é que achar um jeito de consertar a cagada que eu fiz. Bom, pelo menos já sabia que ela tinha ido para o cemitério – que lugar mais semiótico. O dia estava quente perto do meio-dia naquele domingo. Quente e seco. O sol estava a pino e logo que entrei, pela entrada dos fundos daquele cemitério, senti um clima leve. Diferente do clima habitual desse tipo de lugar. Nessa hora percebi que os espíritos que ali residem apreciam a energia transmitida pelo sol. Diferente da Lua, que desperta nos corações solitários a lamúria e a solidão, mas isso já é outra história. Ainda com certa dificuldade de locomoção, amparado por duas mulatas, digo, muletas, cruzei os corredores da morte. Via famílias inteiras, unidas, sem brigas, obrigadas a superar suas diferenças eternamente, um sobre os outros, sem nem ao menos poderem rir disso juntas. Prestei muita atenção no fim, o escuro, o dia “D” – derradeiro –, final, o vai ou vai, sem a possibilidade da palavra racha. E pude enxergar, ali, com um pouco mais de concentração, que o arrependimento bailava entre os epitáfios. Sem nenhuma timidez, o arrependimento se mostrava, ali, como um senso comum entre os defuntos. Assanhado como uma puta velha desesperada por qualquer troco ou uma carreira de pó ou angustiado como um mendigo atrás de pão com mortadela e uma dose de pinga para o seu café da manhã. Naquele instante percebi que havia errado. Vi meu fim, pude observar que a partir daquele momento havia mandado um convite irrecusável para ele. O arrependimento estava convidado a bailar em minha tumba. Desesperei-me. Revirei aquele cemitério, deixei de pernas pro ar. Perguntei muito sobre a mulher de cabelo vermelho curto em prantos. Nada. Nem vivos, nem mortos responderam ao meio anseio. Não era possível, onde ela poderia estar escondida? Debaixo da terra, era isso! Estava claro como a mais cristalina das águas da Terra. Não tinha ferramentas, apenas minhas mãos, o meu ganha pão, e foram elas mesmo que usei para começar a cavar. Confesso que achei que fosse dar um certo trabalho, mas era um mal necessário, ossos do ofício, se é que você me entende. Minutos depois me trouxeram pra cá. Estou aqui, agora, pedindo por favor para me dispensar, doutor. Eu sei que você pode estar me achando meio louco, mas seu não voltar lá, se não conseguir corrigir meu erro, o arrependimento vai receber o convite que eu mandei e vai dar a desonra de sua presença em meu túmulo. Posso ir, doutor? |